Lisos, ondulados, cacheados e crespos, não sei afirmar se todos os tipos e características de cabelos estão nessa relação, porém ao buscar essas definições dos diversos tipos de cabelos existentes não encontrei o “duro” como características de algum tipo do tecido capilar. O cabelo emerge no mundo masculino e feminino, porém suas relações com o mundo social têm suas diferenças, observo em meus diálogos que o mundo feminino com relação ao cabelo tem um contexto maior de busca de auto estima, empoderamento, custo de manutenção. O cabelo feminino, entre os séculos IX e X teve seus penteados influenciados pela Igreja Católica, os cabelos femininos logos possuíam fortes conotações eróticas, levando a mulher a escondê-los e até removê-los.
O cabelo e suas aparências em alguns espaços são bem relevantes, nesse contexto, podemos observar que os militares no Brasil usam o mesmo bem curto, ou preso no caso das mulheres, na religião de matriz africana ao consagra-se ao Orixá, os iniciantes raspam a cabeça. Introduzido na Igreja Católica desde o século IV faz-se uma cerimônia chamada de tonsura, onde o Bispo dá um corte no cabelo do ordinando ao conferir-lhe o primeiro grau.
A beleza sempre foi um objetivo buscado por muitos povos, os egípcios, por exemplo, eram obcecados por beleza, a rainha Nefertiti consolida essa referência. Porém, “a beleza” é uma construção social, mas isso não nos afasta de fazer reflexões a respeito de como essas construções de “ser belo” interfere no comportamento do tecido social. Com certeza o cabelo tem sua participação bastante significativa nesse contexto.
Aqui no Brasil o Cabelo liso sempre foi referencial de bonito, bem-arrumado, apresentável, ou seja, um modelo a ser seguido. Na Bahia isso não é diferente, o cabelo liso sempre despertou desejo em algumas meninas; as bonecas de sua infância ajudam e muito nesse processo de querer alisamento do cabelo. Mas, outros olhares de como devem estar os “cabelos arrumados”, vem se ampliando, gerando outros desejos de penteados. O Movimento do Cabelo Crespo em Salvador potencializa a discussão do empoderamento dos diversos tipos e penteados que o cabelo crespo pode assumir.
Recentemente, dialoguei com várias pessoas a respeito da importância do cabelo com relação à autoestima, racismo, empoderamento, muitos deles afirmaram que se soma à afirmação da Bióloga Karoline Barbosa dos Santos, assim como do cantor Lazzo Matumbi que “O meu cabelo é um ato político” e essa posição se ecoam em outras vertentes de posicionamentos a respeito da não aceitação da imposição social dominante. A Engenheira Química Indira Maria Santana dos Santos, alerta que muitas pessoas podem aderir um certo tipo de penteado por “modismo”, além disso ela acena “... se você tem dúvidas fica mais fácil de você sofrer interferências externas...”
A professora Analice dos Santos foi a sua formatura acadêmica no ano de 1990 de cabelo trançado, isso demonstra que o penteado do cabelo não tem espaços sociais definidos, mesmo que o tecido social queira impor, principalmente o dominante. Já a arquivologista Ana Paula Santos Ramos pontua que faz seus penteados, porém ela afirma que “... não quis na transição capilar desagradar ou agradar...” “... para fazer do meu tecido capilar aquilo que eu quiser...” as suas duas provocações alertam para não trazermos uma ditadura da imposição do penteado ideal por causa da cor da pele, quem também dialoga com essa afirmação é a bióloga Joanice José Fonseca, ela também afirma “.. não quero sair da ditadura do cabelo alisado para estar em outra ditadura de cabelo cacheado...”, a advogada Cristiana Borges também dialoga nessa vertente. Assistente Social Nara Janine Ferreira dos Santos afirma que já usou cabelo alisado, produtos químicos, e nem por isso a deixou menos negra; a prima dela também formada em Serviço Social já usou cabelo liso, e nos dias de hoje usa seu cabelo natural, ou seja, crespo.
Aposentada Miralva Dias pontua que “...ao usar produtos químicos entramos em mundo de fantasia, que não é o seu mundo real”, outro ponto que ela chama atenção é que “ sabemos que o nosso cabelo faz parte de nossa identidade” suas provocações são válidas, e nos traz reflexões de quem é você, e como cada um ver a importância do tecido capilar no seu dia-dia.
A Administradora Ana Carla dos Santos afirma que produtos químicos já fizeram parte do seu consumo para o cabelo. Nos dias de hoje Ana Carla usa mais o cabelo trançado. Mestre em Estudo Étnico e Africano, Adriele Regine dos Santos Almeida alerta para os apelidos dados aos cabelos crespos “vassoura de piaçava” “Bombril”, e como isso afeta o campo emocional de quem sofre essa agressão. Claudia de Souza Estrela, arquivologista faz inflexão quando ela vai falar do seu cabelo “... é nossa identidade, nossa personalidade e Etnia, nos remete a nossa ancestralidade...” sua fala é como se fosse a voz de muitas sem lugar de fala. A professora Cristiane dos Santos nos leva a refletir que “...o cabelo está assumindo um papel relevante da discussão do racismo...” já Marcio Neri dos Santos Professor provoca o mercado de cabelos quando ela nos chama atenção “...cabelo crespo em muitos casos ficam periféricos aos salões de beleza tradicionais”. Já o professor e servidor público José Carlos da Rocha Santos comenta que quando passou a assumir as tranças como penteado “houve um choque familiar e também em outros espaços sociais”, mas que isso não abalou quando o mesmo decidia fazer um penteado no seu tecido capilar.
A enfermeira Érica Dias e uma de suas filhas Amanda Dias Azevedo Oliveira falam das suas experiências de produtos naturais usado no cabelo, cito abacate, azeite doce, babosa...” Beatriz Dias Azevedo Oliveira de apenas 13 anos, e também filha da enfermeira deixou sua fala quando o assunto é cabelo “... caso precisasse cortar o cabelo ficaria triste...” já a professora e mestra Edilair Alcântara Barreto Gomes lembrou de diversos casos de solidariedade quando alguns mulheres tomam ação de “...raspar a cabeça em solidariedade a outra mulher, quando a mesma se encontra em tratamento Oncológico” .
A fala de algumas (uns) citadas (os) nesse texto reflete suas angústias, aflições, descobertas, provocações... cabelo no tecido social empodera, relaciona-se com moda, com a estética, sofre agressões racistas... E quem mais sofre interferências nas suas relações sociais quando o assunto é cabelo são as mulheres, mais ainda as mulheres negras, pois são cobradas por muitos a terem a estética dos cabelos longos, e se vai a eventos sociais seus cabelos devem estar “arrumados”. Manuela Rocha Chagas Paixão, formada em Ciências Sociais, dialoga muito bem nessa temática, questionando esses enquadramentos que querem impor aos cabelos, e na sua maioria os crespos; ela sugere a quem quiser assistir ao documentário e um filme (“Skim”, “Felicidade por Fio”).
REGINALDO DIAS - Formado em História na Universidade Jorge Amado
Pós Graduação - História Social Política e Econômica do Brasil
outubro de 2020
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