“A pátria nasce do povo. E foi o povo baiano, com suas mãos calejadas, seus corpos livres ou cativos, que expulsou de vez o domínio lusitano do solo brasileiro.”

Imagem gerada com auxilio de I.A


Por Alex Passos
Reportagem especial

A Independência do Brasil, celebrada oficialmente em 7 de setembro de 1822, só se consolidou de fato 10 meses depois, em 2 de julho de 1823, graças à resistência popular na Bahia. O processo foi profundamente diferente do restante do país: aqui, a separação de Portugal se deu à base de sangue, pólvora e luta de classes. E é essa história que ainda pulsa pelas ruas, becos e ladeiras do Recôncavo e da capital baiana.

Essa reportagem especial percorre os caminhos históricos da liberdade, partindo de cidades que desempenharam papéis vitais na mobilização, organização e resistência — algumas famosas, outras pouco lembradas, mas todas fundamentais. É uma história de coragem coletiva. Uma vitória conquistada pelo povo, prova incontestável de que, quando o povo se une em um só propósito, torna-se o verdadeiro centro do poder soberano.

Cachoeira: A Primeira a Romper

Cachoeira, às margens do Paraguaçu, foi o estopim da reação baiana. Em 25 de junho de 1822, a Câmara local rompeu laços com o governo português sediado em Salvador e proclamou uma junta de governo leal a D. Pedro. Este gesto deu início a uma mobilização militar e política sem precedentes.

Ali se organizaram os primeiros batalhões de voluntários. Mulheres negras e libertas, como as da Irmandade da Boa Morte, desempenharam papel logístico e religioso fundamental. Tropas compostas por lavradores, escravizados libertos e artesãos começaram a ser treinadas no coração da cidade.

A Câmara de Cachoeira também enviou cartas e emissários a outras vilas do Recôncavo conclamando à luta. Era o nascimento do movimento popular mais contundente da independência brasileira.

Saubara: Silêncio e Abastecimento

Hoje pouco lembrada, Saubara, então parte da freguesia de Santo Amaro e subordinada à vila de Cachoeira, foi estratégica por sua localização costeira. Os pescadores, marisqueiras e canoeiros da região formavam uma rede silenciosa, mas eficaz, de abastecimento dos resistentes.

As canoas que saíam de Saubara cortavam as águas até a ilha de Itaparica e Salvador, levando alimentos, munições, panfletos e até combatentes. Os caminhos fluviais foram tão importantes quanto as trilhas de barro e boiadas em terra.

Essa participação silenciosa ecoa até hoje na oralidade local e nas pesquisas feitas por historiadores e arqueólogos vinculados ao IPAC e universidades baianas.

 São Francisco do Conde e Candeias: A Força dos Engenhos

As cidades de São Francisco do Conde e Candeias, ricas em engenhos de açúcar, representavam o poder econômico do Recôncavo. Algumas famílias senhoriais apoiaram a causa brasileira, financiando armamentos e mantimentos para as tropas patriotas.

O que poucos destacam, porém, é que muitos dos combatentes que lutaram em Pirajá, em Itaparica saíram desses engenhos como libertos ou agregados. Houve casos documentados de senhores que prometeram alforria em troca de engajamento militar.

Além disso, os caminhos entre Caboto, São Francisco, Candeias e a capital eram trilhas essenciais para o deslocamento das tropas brasileiras. Mapas da Capitania da Bahia mostram essas rotas utilizadas por mensageiros e pequenos destacamentos ao longo de 1822.

 Simões Filho: Entre Caminhos e Quartéis

Simões Filho, ainda inexistente como município à época (foi emancipado apenas em 1961), fazia parte do território rural de Salvador e estava estrategicamente posicionada entre os engenhos do Recôncavo e o centro do poder lusitano na capital.

A região onde hoje se localiza o bairro de Palmares é citada em mapas militares como ponto de parada e acampamento das tropas brasileiras sob o comando do general Labatut. De lá, partia-se pelas trilhas rumo a Pirajá.

Essas terras serviram como corredor logístico e local de reagrupamento militar, reforçando a tese de que, embora indiretamente, Simões Filho foi peça relevante na marcha pela independência. Atualmente, a cidade cultiva essa memória nos seus festejos cívicos do 2 de Julho, fazendo justiça à sua geografia histórica.

 Salvador: Capital da Resistência e da Vitória

Enquanto o restante do Brasil já proclamava a independência, Salvador seguia sob controle das tropas portuguesas, com cerca de 4 mil soldados fortificados. A capital era o último bastião do domínio colonial.

Foi em Salvador que se travou a mais importante e violenta batalha da campanha baiana: a Batalha de Pirajá, em 8 de novembro de 1822. Nela, mais de 10 mil brasileiros — boa parte ex-escravizados, vaqueiros, pescadores, sapateiros, alfaiates e soldados do povo — enfrentaram a artilharia portuguesa. E venceram.

Com o cerco e a resistência popular crescendo, os portugueses se renderam e embarcaram de volta à Europa em 2 de julho de 1823. Neste dia, os libertadores — muitos deles negros, mulheres, indígenas e mestiços — marcharam até o coração da cidade para declarar, enfim, a independência da Bahia. A praça da Lapinha se tornou o marco simbólico dessa conquista, celebrada até hoje com uma das festas cívicas mais importantes do país.

 O Povo como Soberano

A Independência da Bahia não foi escrita com decretos ou discursos. Ela foi construída com enxadas, espingardas, barcos a remo, promessas de liberdade e o desejo inquebrantável de um povo que não aceitava mais a opressão.

É essa história — de negros, mulheres, sertanejos, pescadores, estudantes e camponeses — que celebramos em cada 2 de Julho. Uma história que nos lembra que a vitória é do povo, e que quando o povo se une, ele se torna o verdadeiro centro do poder soberano.

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