Por Hugo Silva

Eu lembro de um tempo em que o Brasil acreditava no futuro. A gente reclamava do nosso país, das dificuldades que vivíamos, e via as lutas dos nossos pais para colocar comida na mesa, comprar nossas roupas e o material escolar. Era difícil, mas a gente acreditava em um país melhor.

As músicas tinham melodias incríveis, os professores eram mestres de verdade e nossos pais, ainda que cansados, eram faróis. A gente sonhava em ser astronauta, médico, jornalista, cantor, e não apenas “pessoas famosas”. Na televisão, a gente via nossos heróis e, apesar das crises, ainda parecia pulsar dentro de nós uma inocência coletiva.

Alguma coisa mudou. A inocência se transformou em ironia, e a esperança por dias melhores deu lugar à performance. A infância, que antes era a bola, a bicicleta e a fantasia no carnaval, agora passou a morar dentro de uma tela. 

O que aconteceu conosco?

Somos as vítimas e os culpados de uma aliança invisível. Não estou falando de um complô ou de uma teoria da conspiração, mas de um acordo silencioso entre forças que, teoricamente, se odiavam.

Direita, esquerda e centro, cada uma com sua narrativa acabaram unidas em um mesmo propósito: controlar o imaginário social. Uns pela economia, outros pela ideologia, e os demais pelo oportunismo histórico de quem sempre vendeu a alma ao que lhe rendesse mais aplauso ou lucro.

Enquanto um lado defendia o “mercado livre”, o outro prometia a libertação do homem.

Mas, no fim, o resultado foi o mesmo: a mercantilização da nossa alma. Tudo em nós virou um produto e até mesmo o que era sagrado, a nossa fé.

A fé, a moral, a infância, o amor e a arte. Os diferentes começaram a jogar o mesmo jogo: um fabricando medo, o outro fabricando culpa, e, no meio deles, um centro negociando o silêncio.

Uma degradação cultural que não aconteceu por acidente; foi um processo. Jingles publicitários e discursos “progressistas” ou “patrióticos” trocaram conteúdo por estética e engajamento.

Com a degradação cultural, a escola perde autoridade, a família perde tempo e os artistas perdem a coragem, pois são obrigados a concordar com o discurso majoritário para não perderem o like.

No lugar de ídolos como Ayrton Senna, vieram influenciadores com frases de autoajuda e patrocínio de bebida energética. É culpa das redes sociais? Não.

O problema não é a tecnologia, é o que fizemos e continuamos fazendo com ela. 

As redes sociais não criaram uma sociedade caótica; elas revelaram uma sociedade adoecida em alta definição. Ampliaram o ego, anularam o pensamento e transformaram cada um de nós em uma vitrine ambulante.

O problema é que, em um mundo onde tudo é visível, perdemos exatamente o que não se pode filmar: respeito, silêncio, paciência e amor.

Hoje estava assistindo a um clipe antigo do Trem da Alegria, um grupo divertido da minha infância, e senti uma saudade moral. Não apenas da música, mas da letra simples e criativa, do arranjo divertido e do brilho no olhar da criançada.

Tudo parecia dizer o que esquecemos: que ser feliz era uma consequência e não uma estratégia.

A aliança invisível que nos trouxe até aqui não foi somente política e econômica; foi também espiritual uma desconexão progressiva entre o que somos e o que deveríamos ser.

O primeiro passo para romper com isso é o ato mais simples: voltar a ouvir o que as crianças cantavam, antes que os adultos decidissem que era melhor esquecer o que realmente importa.

E não esquecendo que as crianças... éramos nós.







Hugo Silva é jornalista, pastor, roteirista e palestrante.  

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