Por: Hugo Silva
No filme Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, há uma dinâmica que hoje nos soa estranha, quase exótica. O mouro Azeem, após ser salvo da morte por Robin Hood, assume para si o que chama de "dívida de vida". Ele não se torna um escravo, nem perde sua dignidade; pelo contrário, é a sua honra que o impele a não abandonar aquele que lhe estendeu a mão. Para Azeem, o benefício recebido não foi apenas um alívio passageiro, mas o início de um vínculo inquebrável.
Talvez seja exatamente esse "vínculo" que estamos perdendo na tradução da vida moderna.
A palavra "obrigado" carrega em sua raiz latina o termo obligatus — o particípio de obligare, que significa ligar, amarrar, comprometer. Historicamente, essa "obrigação" era a base das sociedades saudáveis. O sociólogo Marcel Mauss, em sua obra clássica Ensaio sobre a Dádiva, explicava que a civilização se mantém por uma tríade de honra: dar, receber e retribuir. Dizer "obrigado" era o reconhecimento de que o bem recebido não deveria morrer em quem o recebe, mas gerar um movimento de volta.
Com o tempo, porém, passamos a ter pavor da palavra "dever". O medo de sermos manipulados nos fez olhar para qualquer "nó" social como uma corrente. Foi nesse cenário, especialmente a partir do final dos anos 90 com a ascensão da Psicologia Positiva de Martin Seligman, que o foco do agradecimento mudou. A gratidão passou a ser estudada como uma ferramenta de bem-estar individual — algo que libera dopamina e melhora a saúde mental de quem a sente.
Embora esse estudo seja valioso, ele abriu caminho para uma substituição sutil: o "obrigado" foi cedendo espaço ao "gratidão" das redes sociais e dos seminários de coaching. No movimento contemporâneo, o foco muitas vezes se encerra no "eu" e na "abundância" de quem recebeu. O "gratidão" moderno é um sentimento que flutua; o "obrigado" é um compromisso que permanece. Enquanto um é um aceno de despedida, o outro é um convite à continuidade.
Essa tentativa de "tirar o peso" do agradecimento acabou por esvaziar um dos fundamentos mais profundos do Evangelho. A Bíblia não conhece uma gratidão que seja apenas um estado emocional passageiro. O apóstolo Paulo, em Romanos 13:8, nos dá a chave: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros”. O amor é a única dívida que, quanto mais pagamos, mais reconhecemos que devemos.
O "obrigado" cristão foge da subserviência porque não se trata de ser escravo de um homem, mas de ser servo de um princípio: o de que fomos salvos por uma dívida que não poderíamos pagar, e isso nos vincula uns aos outros em serviço mútuo. No Reino, a dependência não é uma fraqueza, é o lugar da verdadeira comunhão (koinonia).
Não precisamos voltar ao tempo das "dívidas de sangue", mas o que realmente importa, é que precisamos resgatar a coragem de nos sentirmos vinculados. O esvaziamento do "obrigado" nos deixou em um mundo de conexões rápidas, onde recebemos muito, mas não nos sentimos responsáveis por nada. Resgatar essa palavra é um ato de resistência ao individualismo. É olhar para alguém e dizer: "O que você fez por mim importa tanto, que eu aceito o nó que esse gesto deu em nossas vidas".
A você, que dedicou seu tempo e atenção a estas linhas, meu coração reconhece esse laço.
O meu muito obrigado.

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